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A proteção intelectual de produtos alimentícios é uma questão recorrente no meio jurídico, especialmente em situações envolvendo grandes marcas e o uso de receitas semelhantes. A recente campanha do Burger King, que promoveu o BK Taste como supostamente similar ao Big Tasty do McDonald’s, reacendeu esse debate.
Afinal, até onde vai a proteção de uma receita culinária?
No Brasil, a legislação não reconhece as receitas culinárias como objetos de proteção por direitos autorais. Segundo o artigo 8º, inciso I, da Lei nº 9.610/98, ideias, métodos e fórmulas – incluindo receitas – não são protegidas. Isso significa que qualquer pessoa ou empresa pode replicar ingredientes e métodos de preparo sem infringir a lei.
No entanto, a forma de apresentação de um conjunto de receitas, como em um livro ou cardápio específico, pode ser protegida pela compilação como uma obra coletiva, conforme previsto no artigo 7º, inciso XIII, da mesma lei.
Por outro lado, marcas registradas possuem proteção ampla. No caso do nome "Big Tasty", por exemplo, o registro pelo McDonald’s impede que outras empresas utilizem denominações idênticas ou muito semelhantes para produtos relacionados, como determina a Lei de Propriedade Industrial (Lei nº 9.279/96).
Isso evita que consumidores sejam induzidos ao erro ao adquirir um produto. A ausência de um registro para o nome "BK Taste", como indicado no caso, deixa o Burger King em uma posição vulnerável caso o McDonald's decida tomar medidas legais.
Casos Judiciais Relevantes
Dois casos judiciais ajudam a entender melhor a questão. O primeiro envolve uma decisão do TJSP, que negou direitos autorais sobre receitas publicadas em uma revista. Apesar de a autora ter alegado criação intelectual das receitas, o tribunal decidiu que, como fórmulas comuns, elas não são protegidas individualmente. A proteção só seria válida para o conjunto de receitas, desde que organizado como uma obra coletiva.
Outro caso relevante é o julgamento do STJ sobre as marcas "Cheese. Ki. Tos" e "Cheetos". Nesse caso, o tribunal anulou o registro da marca "Cheese. Ki. Tos" por entender que a semelhança com "Cheetos" poderia confundir os consumidores. A decisão reforça a importância de evitar marcas que induzam ao erro, protegendo tanto os consumidores quanto as empresas.
O que isso significa para o mercado?
Para as empresas do setor alimentício, essas decisões evidenciam dois pontos importantes. Primeiro, enquanto as receitas em si são de livre utilização, o registro de marcas é essencial para garantir a exclusividade no mercado. Segundo, é preciso ter cuidado ao criar nomes ou apresentações que possam ser interpretados como cópias ou causar confusão nos consumidores, especialmente em um mercado tão competitivo.
Além disso, o impacto no consumidor também é significativo. Ao registrar uma marca, a empresa não está apenas protegendo seu produto, mas também ajudando o consumidor a identificar claramente o que está adquirindo. Essa proteção está alinhada com o Código de Defesa do Consumidor, que busca evitar práticas comerciais enganosas.
Como se proteger?
A proteção de marcas e a exclusividade de produtos vão além de questões legais – elas impactam diretamente a imagem da marca e a confiança dos consumidores. Não deixe essas questões em segundo plano. Empresas e criadores que desejam proteger seus produtos precisam registrar suas marcas no Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI) para garantir que a apresentação do produto seja única e distinta no mercado.
Portanto, enquanto ingredientes e métodos de preparo são de livre utilização, marcas registradas garantem que produtos similares não induzam o consumidor ao erro. Para empresas do ramo alimentício, é crucial conhecer os limites legais para evitar conflitos judiciais e proteger sua propriedade intelectual.
Consulte um profissional especializado para evitar conflitos legais e para entender os limites da legislação.
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Referências
BRASIL. Lei nº 9.610, de 19 de fevereiro de 1998. Altera, atualiza e consolida a legislação sobre direitos autorais e dá outras providências.. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9610.htm. Acesso em: 11 jan. 2025.
BRASIL. Lei nº 9.279, de 14 de maio de 1996. Regula os direitos e obrigações relativos à propriedade industrial. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9610.htm. Acesso em: 11 jan. 2025.
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. 4ª Turma. Recurso Especial nº REsp n. 1.188.105/RJ. Min. Rel. MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO. Julgado em 05/03/2013. Publicado em 12/4/2013.
FUENTES, Patrick. Burger King Dará Lanche De Graça Para Advogados; Entenda. CNN. São Paulo. 2025. Disponível em: https://www.cnnbrasil.com.br/economia/macroeconomia/burger-king-dara-lanche-de-graca-para-advogados-entenda/. Acesso em: 11 jan. 2025.
SÃO PAULO. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. 5ª Câmara de Direito Privado. Apelação Cível nº 0211474-05.2005.8.26.0100. Des. Rel. JAMES SIANO. Julgado em 01/02/2012. Publicado em 01/02/2012.
Autor
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Mateus Gonçalves
@mateusfgonca, advogado inscrito na OAB/MG 174.398
Mestre em Propriedade Intelectual pela Universidade Federal do Oeste da Bahia
Direito Empresarial
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