COMENTÁRIOS À LEI 14.010 DE 10 DE JUNHO DE 2020
- luizgustavobragaad
- 16 de jun. de 2020
- 16 min de leitura
Atualizado: 25 de jul. de 2020
REGIME JURÍDICO EMERGENCIAL E TRANSITÓRIO DAS RELAÇÕES JURÍDICAS DE DIREITO PRIVADO (RJET)
Luiz Gustavo Braga Ferreira
OAB/MG 155.809
Montes Claros, MG
INTRODUÇÃO
Vivemos em um período conturbado no mundo onde o coronavírus, COVID-19, modula relações interpessoais e impõem as pessoas regras de convivência que outrora eram inaceitáveis ao mundo e ao mercado liberal.
Após se espalhar rapidamente pelo mundo, partindo do continente asiático no final de 2019 rumo ao ocidente, chegou ao Brasil no final de janeiro, sendo em 03 de fevereiro de 2020 declarado estado de emergência de saúde pública de importância nacional, por meio da portaria GM/MS nº 188/2020[1].
As consequências que já se mostravam sociais e econômicas, tornaram-se algo inevitável ao legislativo diante da necessidade das normas se adequarem à realidade vivida pela polução e, consequentemente, cumprirem o seu papel social.
Como marco de flexibilização das regras impostas, em 20 de março de 2020 o Congresso Nacional, edita Decreto Legislativo nº 6, reconhecendo o estado de calamidade que, a partir de então, permitiu as adequações ainda mais explicitas das normas à realidade catastrófica vivida no Brasil.
Iniciou-se, então, uma enxurrado de normas para regulamentar quase que todas os atos dos cidadãos, a iniciar pela edição das medidas provisórias que versaram sobre regras trabalhistas, nº 927 e 936 que tinham como justificativa a decretação do estado de calamidade do dia 20 de março de 2020 e as implicações na relação trabalhista decorrentes do isolamento social necessário.
A MP 927[2] editada em 22 de março de 2020, cumprindo o anseio de manter as pessoas em isolamento social, estabeleceu medidas como: I - o teletrabalho; II - a antecipação de férias individuais; III - a concessão de férias coletivas; IV -o aproveitamento e a antecipação de feriados; V - o banco de horas; VI - a suspensão de exigências administrativas em segurança e saúde no trabalho; VII - o direcionamento do trabalhador para qualificação; e VIII -o diferimento do recolhimento do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço - FGTS.
Logo em seguida, em 1º de abril de 2020, foi editada a MP 936[3] com o objetivo expresso de “I - preservar o emprego e a renda; II - garantir a continuidade das atividades laborais e empresariais; e III - reduzir o impacto social decorrente das consequências do estado de calamidade pública e de emergência de saúde pública.” Instituiu medidas como: “I - o pagamento de Benefício Emergencial de Preservação do Emprego e da Renda; II - a redução proporcional de jornada de trabalho e de salários; e III - a suspensão temporária do contrato de trabalho”.
Quando da edição destas medidas provisórias, o impacto fora imediato aos empregados e empregadores, que passaram a ter nessas duas MP o norte na relação trabalhista durante a pandemia.
Pouco mais tarde do que as alterações à legislação trabalhista, as regras impostas ao Direito Privado inevitavelmente seriam editadas e no dia 10 de junho de 2020, com a edição da Lei nº 14.010, de 10 de junho de 2020, concretizam-se tais medidas, que dispõe sobre o Regime Jurídico Emergencial e Transitório das relações jurídicas de Direito Privado (RJET) no período da pandemia do coronavírus (Covid-19), ao qual passamos a apresentar comentários a respeito.
O que iremos perceber com norma é que, como dito no início, ela vem se adequar a situação imposta pela pandemia, mas sem que com isto, apresente inovações definitivas ao Código Civil de 2002 brasileiro, ou que fuja aos princípios que já viam sendo aplicados nas relações de direito privado.
A norma, então, adéqua-se a realidade de muitas decisões que já vinham sendo tomadas pelo judiciário, justificadas apenas com princípios ou interpretações expansivas as normas vigentes.
1. DISPOSIÇÕES GERAIS
Art. 1º Esta Lei institui normas de caráter transitório e emergencial para a regulação de relações jurídicas de Direito Privado em virtude da pandemia do coronavírus (Covid-19).
Parágrafo único. Para os fins desta Lei, considera-se 20 de março de 2020, data da publicação do Decreto Legislativo nº 6, como termo inicial dos eventos derivados da pandemia do coronavírus (Covid-19).
Art. 2º A suspensão da aplicação das normas referidas nesta Lei não implica sua revogação ou alteração.
A princípio, como as demais regras originárias em decorrência da pandemia, esta norma tem claro o seu caráter transitório, exatamente por se tratarem de regras exclusivas para o período este emergencial em que vivemos.
Neste ponto, considerando o tempo desde o início da pandemia, diferentemente das medidas provisórias trabalhistas, que se deram quase que imediatamente após a decretação do estado de calamidade, faz-se necessário no, parágrafo único do art. 1º, a fixação de termo inicial para aplicação da norma, retroagindo justamente a data do Decreto Legislativo nº 6.
O art. 2º ainda nos alerta para que, passado o período de calamidade decorrente do coronavírus, resultará na retomada ao estado anterior das normas Direito Privado e isto não implicará na revogação ou alteração das normas aqui apresentadas.
A disposição no art. 2º traz segurança jurídica aqueles afetados pela nova Lei, no sentido que, após o restabelecimento das regras de direito privado, as atitudes tomadas em estado de calamidade, obedecerão às regras vigentes no estado de calamidade e editadas em razão dele.
2. DA PRESCRIÇÃO E DECADÊNCIA
Art. 3ºOs prazos prescricionais consideram-se impedidos ou suspensos, conforme o caso, a partir da entrada em vigor desta Lei até 30 de outubro de 2020.
§ 1º Este artigo não se aplica enquanto perdurarem as hipóteses específicas de impedimento, suspensão e interrupção dos prazos prescricionais previstas no ordenamento jurídico nacional.
§ 2º Este artigo aplica-se à decadência, conforme ressalva prevista no art. 207 da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil).
A Lei que instituiu o Regime Jurídico Emergencial e Transitório das relações jurídicas de Direito Privado (RJET) apresenta em seu art. 3º, regras referentes aos prazos prescricionais legalmente definidos. Aqui, imperioso destacar que regras de caráter impeditivo ou suspensivo do prazo prescricional, de forma geral, poderão ser observadas nos art. 197 a 199 do CC/02[4].
A norma RJET, apresenta então, de forma legal e positivada outro fator impeditivo e suspensivo de prescrição, o estado de calamidade, decorrente da pandemia do coronavírus.
Notoriamente, e de forma sábia, quis o legislador proteger, por exemplo credores, que em decorrência da pandemia e do consequente isolamento social, mostram-se impedidos de procurar o judiciário para que tivessem o seu credito executado. Afinal, estavam os escritórios de advocacia, na maior parte das cidades do Brasil, impedidos de abrirem suas portas.
Além disto, a suspensão de prazos prescricionais mostrou algo necessário, como o caso de Minas Gerais, em que, por meio de portaria do Governo do Estado, foram suspensos os prazos em processos administrativos ambientais, condicionantes de termos de ajustamento de condutas, prazos para interposição de recursos contra multas e autos de infrações ambientais, dentre outros[5].
A suspensão dos prazos prescricionais era algo necessário, justamente para resguardar direitos e desestimular a desobediência ao isolamento social.
O que se extrai do § 1º do art. 3º é que, diante de situações em que a suspensão ou impedimento já se operava, está regra não se aplica. Ou seja, se já havia algumas das hipóteses previstas nos art. 197/199 do CC, não há aplicação da norma genérica, vez que aquele interesse já se encontra acobertado pela norma ordinária.
A não ser que o estado de impedimento ou suspensão previsto no Código Civil se encerre antes do prazo previsto no caput, 30 de outubro de 2020, quando então permanecerá inalterado até a data fixada.
Da mesma forma, entendeu o legislador que em período de pandemia não pode o jurisdicionado mover-se para solucionar seus problemas, sendo justamente a inércia do jurisdicionado a razão de existir dos prazos decadenciais. Afinal, segundo ensinamento do civilista Carlos Roberto de Gonçalves, (2010, p. 213) “A decadência se consubstancia, pois, no decurso infrutífero de um termo prefixado para o exercício de um direito”[6].
Assim, mostra-se medida drástica que a lei imponha ao jurisdicionado que este quebre a inércia, sob pena de perder o seu direito potestativo, quando o própria Estado lhe impõe restrição de deslocamento.
3. DAS PESSOAS JURÍDICAS DE DIREITO PRIVADO
Art. 5º A assembleia geral, inclusive para os fins do art. 59 do Código Civil, até 30 de outubro de 2020, poderá ser realizada por meios eletrônicos, independentemente de previsão nos atos constitutivos da pessoa jurídica.
Parágrafo único. A manifestação dos participantes poderá ocorrer por qualquer meio eletrônico indicado pelo administrador, que assegure a identificação do participante e a segurança do voto, e produzirá todos os efeitos legais de uma assinatura presencial.
Outro instrumento que vem sendo utilizado na minimização dos efeitos do distanciamento social é a internet. Ela se mostrou alternativa para tornar encontros, outrora inevitavelmente presenciais, em verdadeiros aglomerados digitais, como por exemplo a realização de congressos e seminários online, que tornou possível que pessoas se mostrem presentes, mesmo que a distantes.
Neste sentido, o artigo 5º, possibilita que, por meio de mecanismos digitais, assembleias gerais possam ocorrer e que estas tenham validade, exclusivamente neste período de crise.
Reafirmado anteriormente o cuidado em que o legislador teve em deixar claro que as normas aqui postas se limitam ao período de pandemia, não podendo as práticas ora facultadas pela lei se tornarem regras no dia-a-dia. E aqui, peço licença para uma crítica muito pessoal: mas por que não permitir de forma permanente que ditas evoluções, como a possibilidade de uma assembleia virtual, em situação em que todos os interessados tem fácil acesso à tecnologia?
Como o próprio espirito da norma é de exceção, deixou claro o legislador: “poderá ser realizada por meios eletrônicos, independentemente de previsão nos atos constitutivos da pessoa jurídica”. Não fazia sentido criar uma exceção à regra, se esta exigisse uma previa autorização dos atos constitutivos da pessoa jurídica, afinal, certamente esses atos constitutivos foram criados em período “pré-pandemia”.
Importante destacar que o meio online de realização da assembleia geral deve permitir que os participantes possam manifestar e expor suas opiniões de forma livre, possibilitando, inclusive, o exercício do voto.
4. DAS RELAÇÕES DE CONSUMO
Art. 8º Até 30 de outubro de 2020, fica suspensa a aplicação do art. 49 do Código de Defesa do Consumidor na hipótese de entrega domiciliar (delivery) de produtos perecíveis ou de consumo imediato e de medicamentos.
O art. 8º da norma in comento, apresenta suspensão temporário ao direito de arrependimento conferido aos consumidores no art. 49[7] do Código de Defesa do Consumidor (CDC), especificamente nas compras de produtos perecíveis, de consumo imediato ou medicamentos.
O princípio protetivo inerente ao direito do consumidor, efetivado pelo art. 49 do CDC, protege o adquirente de produtos que não teve a oportunidade de verificar, antes da aquisição, todas as características do produto. Não é possível “ver com as mãos”, em linguajar popular, tornando a percepção do produto limitada ao que é anunciado pelas imagens que, por vezes, são “meramente ilustrativas”. E mesmo que o faça de forma virtual, há que se considerar alguma divergência no produto quando pessoalmente, mesmo que isto não resulte em defeito ou falha no serviço.
Imaginemos a aquisição de um vestido em uma loja virtual. O consumidor tem acesso a todas as informações, o tecido, o tamanho, dimensões, fotos, material que ele é produzido e inclusive foto do vestido no corpo de uma modelo de mesmo manequim. Entretanto, ao receber o produto em sua casa e experimenta-lo, nota que o caimento não ficou como o desejado. Neste caso, não há nenhum vicio ou qualquer defeito que possa ser possível o consumidor invocar o CC/02 ou mesmo o art. 12 do CDC. Porém, nesta modalidade de compra, o CDC lhe concede o direito de arrependimento, quando o fornecedor ressarcirá os valores já pagos.
É deste direito de arrependimento que o art. 8º da RJET trata, mas com restrições a produtos perecíveis, de consumo imediato e medicamentos. Notadamente quis o legislador flexibilizar a supremacia legal do consumidor frente ao fornecedor, entendo que em tempos de isolamento social, a empresas passam por significativas dificuldades financeiras e que o delivery, modalidade de comércio explicito no texto legal, é uma das formas mais utilizadas de aquisição de produtos.
Então, transferiu a responsabilidade àquele que se encontra no conforto da casa em ter a certeza de que deseja efetuar a compra, para que o exercício do direito de arrependimento não se mostre algo ainda mais prejudicial as empresas deste segmento especifico, afinal, além de perecível os produtos, há o custo da entrega já efetuada embutido na restituição.
Vale ressaltar que diante de casos de vicio do produto, art. 12[8] do CDC, dita exceção não se aplica. Exemplo é o recebimento de comida estragada. Por óbvio, permanece o direito ao ressarcimento pelos danos causados pelo defeito do produto que inviabilizou o seu consumo.
5. DA USUCAPIÃO
Art. 10. Suspendem-se os prazos de aquisição para a propriedade imobiliária ou mobiliária, nas diversas espécies de usucapião, a partir da entrada em vigor desta Lei até 30 de outubro de 2020.
No direito imobiliário, a alteração apresentada pela Lei 14.010/20 versa sobre o prazo para aquisição originária de propriedade por meio das espécies de usucapião. Vale relembrar os ensinamentos de Maria Helena Diniz, que conceitua a usucapião como “modo de aquisição da propriedade e de outros direitos reais, uso, habitação, enfiteuse pela posse prolongada da coisa com a observância dos requisitos legais”[9]
Ainda, quanto a esta conceituação, respeitado civilista Sílvio Rodrigues (2003, p. apresenta os requisitos previstos em nosso ordenamento jurídico:
Assim, se o possuidor, sem ser molestado em sua posse (que por isso é mansa e pacífica), exerce sobre a coisa os poderes inerentes ao domínio por certo lapso de tempo, permite-lhe a lei obter declaração judicial capaz de conferir-lhe o domínio, depois da respectiva transcrição.
Isso é a usucapião. Ou seja, modo originário de aquisição do domínio, através da posse mansa e pacifica, por determinado espaço de tempo, fixado na lei.[10]
Desta forma, buscou o legislador proteger os proprietários de imóveis quanto ao decurso do tempo de eventuais possuidores de seu imóvel, uma vez que por meio do decurso poderia o possuidor requerer a propriedade do bem, por meio da citada usucapião.
Os prazos estipulados na usucapião servem para privilegiar aquele que dá destinação útil ao bem imóvel, mas serve também como caráter punitivo à inercia daquele proprietário que não afastou a tempo o esbulho possessório.
Portanto, assim como na suspensão dos prazos decadenciais previstos no art. 3º da lei em análise, entendeu o legislador que não poderia punir a inércia do proprietário, com a continuidade da contagem de tempo aquisitivo para usucapião, quando a restrição de locomoção e acesso à justiça é imposta, primeiro pela gravidade sanitária, segundo por força normativa.
Neste ponto, de 20 de maço até 30 de outubro, fica excluído o período do computo para aquisição de propriedade por meio da usucapião.
6. DOS CONDOMÍNIOS EDILÍCIOS
Art. 12. A assembleia condominial, inclusive para os fins dos arts. 1.349 e 1.350 do Código Civil, e a respectiva votação poderão ocorrer, em caráter emergencial, até 30 de outubro de 2020, por meios virtuais, caso em que a manifestação de vontade de cada condômino será equiparada, para todos os efeitos jurídicos, à sua assinatura presencial.
Parágrafo único. Não sendo possível a realização de assembleia condominial na forma prevista no caput, os mandatos de síndico vencidos a partir de 20 de março de 2020 ficam prorrogados até 30 de outubro de 2020.
Art. 13. É obrigatória, sob pena de destituição do síndico, a prestação de contas regular de seus atos de administração.
Assim como demonstrado quanto a possibilidade de realização de assembleias gerais nas pessoas jurídicas, por meio virtual, previstos no art. 5º, este também se aplica as assembleias de condomínios edilícios. E, para isto, os comentários expostos se estendem a este artigo.
Entretanto, o que se percebe aqui é a imposição legal de que nos casos previstos nos art. 1349 e 1350[11] do CC/02, é obrigatória a realização de assembleia geral. Neste ponto, a norma ainda faculta que, tornando impossível a realização de assembleia geral para eleição de novo síndico, o prazo do seu mandato se prorrogará até o termo de aplicação da norma, quando então deverá ocorrer a assembleia geral presencial.
A lei ainda deixa claro que neste período de exceções, não poderá o sindico se agarrar a justificativa de estado de calamidade para se eximir das prestações de contas do condomínio de seus atos regulares.
7. DO REGIME CONCORRENCIAL
Art. 14. Ficam sem eficácia os incisos XV e XVII do § 3º do art. 36 e o inciso IV do art. 90 da Lei nº 12.529, de 30 de novembro de 2011, em relação a todos os atos praticados e com vigência de 20 de março de 2020 até 30 de outubro de 2020 ou enquanto durar o estado de calamidade pública reconhecido pelo Decreto Legislativo nº 6, de 20 de março de 2020.
§1º Na apreciação, pelo órgão competente, das demais infrações previstas no art. 36 da Lei nº 12.529, de 30 de novembro de 2011, caso praticadas a partir de 20 de março de 2020, e enquanto durar o estado de calamidade pública reconhecido pelo Decreto Legislativo nº 6, de 20 de março de 2020, deverão ser consideradas as circunstâncias extraordinárias decorrentes da pandemia do coronavírus (Covid-19).
§ 2º A suspensão da aplicação do inciso IV do art. 90 da Lei nº 12.529, de 30 de novembro de 2011, referida no caput, não afasta a possibilidade de análise posterior do ato de concentração ou de apuração de infração à ordem econômica, na forma do art. 36 da Lei nº 12.529, de 2011, dos acordos que não forem necessários ao combate ou à mitigação das consequências decorrentes da pandemia do coronavírus (Covid-19).
Referido artigo apresenta exceções às infrações à ordem econômica regulamentadas pela lei 12.529/11, independentemente de culpa, dentre elas o ato de vender mercadoria ou prestar serviços injustificadamente abaixo do preço de custo e cessar parcial ou totalmente as atividades da empresa sem justa causa comprovada.
Além disto, afasta a submissão ao Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE) das partes envolvidas em atos de concentração econômica quando esta for praticada por 2 (duas) ou mais empresas, nos casos de celebração de contrato associativo, consórcio ou joint venture.
A norma positiva no seu art. 14, traz que diante do estado de calamidade, as infrações previstas no art. 36 da Lei 12.529/11, deverão levar em consideração as circunstâncias extraordinárias para apuração das infrações.
Cumpre enfatizar que dentre as infrações previstas no art. 36 da Lei 12.529/11, estão as práticas de: “I - limitar, falsear ou de qualquer forma prejudicar a livre concorrência ou a livre iniciativa; II - dominar mercado relevante de bens ou serviços; III - aumentar arbitrariamente os lucros; e IV - exercer de forma abusiva posição dominante”.
Entretanto, não deve ser a norma interpretada como uma carta branca para o cometimento das infrações, mas apenas como um norte aos julgadores do CADE.
8. DO DIREITO DE FAMÍLIA E SUCESSÕES
Art. 15. Até 30 de outubro de 2020, a prisão civil por dívida alimentícia, prevista no art. 528, § 3º e seguintes da Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015 (Código de Processo Civil), deverá ser cumprida exclusivamente sob a modalidade domiciliar, sem prejuízo da exigibilidade das respectivas obrigações.
Art. 16. O prazo do art. 611 do Código de Processo Civil para sucessões abertas a partir de 1º de fevereiro de 2020 terá seu termo inicial dilatado para 30 de outubro de 2020.
Parágrafo único. O prazo de 12 (doze) meses do art. 611 do Código de Processo Civil, para que seja ultimado o processo de inventário e de partilha, caso iniciado antes de 1º de fevereiro de 2020, ficará suspenso a partir da entrada em vigor desta Lei até 30 de outubro de 2020.
Quanto as regras inerentes ao direito de família, a Lei 14.010/20 modificou dois importantes temas: a prisão civil do devedor de alimentos e o prazo para abertura dos inventários.
No que se trata da prisão civil, já vinham os tribunais decidindo pelo recolhimento domiciliar do devedor de alimentos no período da pandemia. Inclusive, considerando as recomendações de distanciamento social das autoridades sanitárias e a própria Recomendação nº 62/2020 do CNJ, para a adoção de medidas preventivas à propagação da COVID-19[12].
Desta forma, mais uma vez a, foram positivadas decisões que já vinham sendo tomadas com base em princípios gerais do direito. Uma vez que:
o encarceramento de devedor de alimentos é medida excepcional, além do mais, o momento ímpar de distanciamento social em razão da Covid-19 exige medidas de contenção para evitar a disseminação da doença”[13].
No que se refere aos prazos previstos para o direito sucessório, aplicam-se o mesmo que já foram apresentados para os artigos de prescrição e decadência, bem como ao prazo aquisitivo de usucapião. Em suma, entende o legislador que o cidadão não pode ser punido por sua inercia, tão pouco poder ser compelido a praticar atos, quando o próprio Estado limita o seu deslocamento e acesso à justiça.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Frente aos apontamentos apresentados, o que se percebe é que estamos diante de uma norma de carácter transitório e aplicável especificamente a situações vivenciadas no período de pandemia. O que não resulta afirmar que dita norma perderá eficácia após o término do seu prazo de incidência definido pelo legislador.
De fato, foram levados em considerações princípios que já vinham sendo adotados pelo judiciário para casos aqui abarcados, mas que careciam de dispositivos legais, justamente a lacuna que a comentada norma veio preencher.
Portanto, cumpre o seu papel social quando positiva no ordenamento jurídico situações originarias do período pandêmico e apresenta solução e segurança jurídica à conflitos que já se encontravam, muitas vezes, postos.
[1]BRASIL. Ministério da Saúde. Declaração de Emergência em Saúde Pública de importância Nacional (ESPIN) em decorrência da Infecção Humana pelo novo Coronavírus (2019-nCoV). Portaria nº 188/20. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/CCIVIL_03/Portaria/prt188-20-ms.htm> Acesso em 15 jun. 2020. [2]BRASIL. Presidência da República Federativa do Brasil. Medidas trabalhistas para enfrentamento do estado de calamidade pública reconhecido pelo Decreto Legislativo nº 6, de 20 de março de 2020, e da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus (covid-19), e dá outras providências, Medida Provisória nº 927/20. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2020/Mpv/mpv927.htm> Acesso em 15 jun. 2020. [3] BRASIL. Presidência da República Federativa do Brasil. Institui o Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda e dispõe sobre medidas trabalhistas complementares para enfrentamento do estado de calamidade pública reconhecido pelo Decreto Legislativo nº 6, de 20 de março de 2020, e da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus (covid-19), de que trata a Lei nº 13.979, de 6 de fevereiro de 2020, e dá outras providências, Medida Provisória nº 936/20. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2020/mpv/mpv936.htm> Acesso em 15 jun. 2020. [4] Art. 197. Não corre a prescrição: I - entre os cônjuges, na constância da sociedade conjugal; II - entre ascendentes e descendentes, durante o poder familiar; III - entre tutelados ou curatelados e seus tutores ou curadores, durante a tutela ou curatela. Art. 198. Também não corre a prescrição: I - contra os incapazes de que trata o art. 3º, II - contra os ausentes do País em serviço público da União, dos Estados ou dos Municípios; III - contra os que se acharem servindo nas Forças Armadas, em tempo de guerra. Art. 199. Não corre igualmente a prescrição: I - pendendo condição suspensiva; II - não estando vencido o prazo; III - pendendo ação de evicção. [5] MINAS GERAIS. Governo do Estado. Prorrogação da vigência de convênios, parcerias e instrumentos congêneres e sobre a suspensão de prazos de processos administrativos no âmbito da Administração Pública direta e indireta do Poder Executivo, em razão da SITUAÇÃO DE EMERGÊNCIA em Saúde Pública no Estado. Decreto 47.890/2020. Disponível em <https://www.almg.gov.br/consulte/legislacao/completa/completa.html?tipo=DEC&num=47890&comp=&ano=2020>. Acesso em 15 jun. 2020. [6] GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil: Parte Geral. 17 ed. São Paulo: Saraiva, 2010. [7] Art. 49. O consumidor pode desistir do contrato, no prazo de 7 dias a contar de sua assinatura ou do ato de recebimento do produto ou serviço, sempre que a contratação de fornecimento de produtos e serviços ocorrer fora do estabelecimento comercial, especialmente por telefone ou a domicílio. [8] Art. 12. O fabricante, o produtor, o construtor, nacional ou estrangeiro, e o importador respondem, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos decorrentes de projeto, fabricação, construção, montagem, fórmulas, manipulação, apresentação ou acondicionamento de seus produtos, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua utilização e riscos. [9] DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: direito das coisas. 23 ed. São Paulo: Saraiva, 2008. [10] RODRIGUES, Silvio. Direito civil: direito das coisas. 28. ed., São Paulo: Saraiva, 2003. [11] Art. 1.349. A assembleia, especialmente convocada para o fim estabelecido no § 2 o do artigo antecedente, poderá, pelo voto da maioria absoluta de seus membros, destituir o síndico que praticar irregularidades, não prestar contas, ou não administrar convenientemente o condomínio. Art. 1.350. Convocará o síndico, anualmente, reunião da assembleia dos condôminos, na forma prevista na convenção, a fim de aprovar o orçamento das despesas, as contribuições dos condôminos e a prestação de contas, e eventualmente eleger-lhe o substituto e alterar o regimento interno. [12]TJMG. Habeas Corpus Cível nº 1.0000.20.032967-0/000, Relator(a): Des.(a) Renato Dresch , 4ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 28/05/2020, publicação da súmula em 29/05/2020. [13] TJMG. Habeas Corpus Cível nº 1.0000.20.032967-0/000, Relator(a): Des.(a) Renato Dresch , 4ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 28/05/2020, publicação da súmula em 29/05/2020.
Autor: Luiz Gustavo Braga Ferreira, Sócio do Escritório Braga, Alexandria, Gonçalves e Ferreira Advogados Associados, inscrito na OAB/MG 155.809 e com atuação preponderante no Direito Empresarial e Ambiental
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